Análise: discurso de VP e atuação do Flamengo reforçam que diretoria arriscou alto no momento errado
Time abafa Independiente del Valle, mas mostra enorme ineficiência; em entrevista, Vítor Pereira fala em “mudar pneu do carro em andamento”, “início de trabalho” e que a temporada começou no sábado
Por Fred Gomes — Rio de Janeiro
01/03/2023 06h00 Atualizado há 36 minuto
Com o vice da Recopa frente a mais de 71 mil rubro-negros, o Flamengo chegou ao terceiro fracasso em 2023. Pode-se dividir a conta em três partes. Os jogadores não foram eficientes: converteram apenas uma das 26 finalizações, e o placar de 1 a 0 garantiu no máximo prorrogação e pênaltis. Vítor Pereira também poderia ter feito substituições mais cedo e não somente aos 27 minutos da etapa final mesmo com um meio-campo que estava todo amarelado e dava sinais de cansaço. Mas a parcela maior, sem dúvidas, é da diretoria, que mexeu no comando técnico às vésperas de um ano que colocaria o Flamengo diante de três decisões num intervalo de 32 dias.
Rodolfo Landim, Marcos Braz e Bruno Spindel apostaram alto ao optarem pela troca lá ainda em 25 de novembro, quando Dorival Júnior soube, via imprensa portuguesa, que não permaneceria no comando após as conquistas da Copa do Brasil e da Libertadores.
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Mesmo que Flamengo e Vítor Pereira eventualmente encerrem 2023 com títulos e um futebol vistoso, o início com três fracassos, dois diante de adversários inferiores tecnicamente (Al Hilal e Independiente del Valle), não será esquecido. A mudança abrupta implicava numa consequente alteração de filosofia e rápida assimilação de ideias. O preço foi cobrado rapidamente.
Discurso de VP pós-vice reforça aposta arriscada e permite outra metáfora
Na entrevista posterior à derrota por 5 a 4 nos pênaltis para os equatorianos, Vítor Pereira foi perguntado se não avaliou o risco de ter que implementar uma filosofia numa equipe às vésperas de três disputas de títulos importantes antes de chegar ao Flamengo. Disse, sim, que colocou isso em análise, mas lançou mão da metáfora de se trocar um pneu com o carro andando.
– Seria muito mais fácil e mais cômodo para mim não assumir a equipe nessas condições. Assumir a equipe sabendo que nós, no tempo que aqui estamos, jogamos praticamente 12 ou 13 jogos, quer dizer que é uma pré-temporada que é quase como mudar o pneu do carro em andamento. Estamos tentando criar um estilo de jogo que já começa a ser visualizado. Hoje, se tivéssemos concretizado metade da chance que criamos, o discurso seria diferente. Eu sabia que não teria esse tempo e com muitos títulos para disputar.Reproduzir vídeo
Roger explica o encaixe que tem faltado ao Flamengo de Vítor Pereira
Vitor Pereira foi apresentado como novo treinador do Flamengo no dia 3 de janeiro — Foto: Fred Gomes
Ainda na mesma resposta, após dizer que se sentia dentro de uma pré-temporada, afirmou considerar que os últimos dois jogos, sim, representam o início de fato do calendário de 2023. Ou seja, mais uma vez admitiu que ainda precisa de tempo para fazer esse time encaixar.
– Se eu visse que dentro de campo um time que não lutasse, não trabalhasse, não pressionasse e não corresse, eu seria o primeiro a dizer que não estaríamos no caminho certo. E se sentisse que não havia união e alinhamento às ideias que tenho e aos próprios os jogadores, diria o mesmo. Mas sinto exatamente o contrário. Sinto que, para nós, essa temporada começou praticamente no último jogo com o Botafogo. E hoje demos sequência. Pena foi o resultado não traduzir essa sequência.
Ou seja: Vítor está mudando pneu com o carro em andamento porque o Flamengo trocou de carro quando poderia ter apenas mudado pneus.
O Flamengo substituiu um carro nacional, rodado em pistas brasileiras e sul-americanas, já adaptado a uma casa na qual estacionava seus serviços pela terceira vez e popular entre os responsáveis por fazer a máquina girar . Modelo de fácil entendimento.
Preferiu um carro importado, de sucesso comprovado em Portugal, Turquia, Grécia e China, mas ainda sem grande quilometragem no Brasil. Pelos prêmios alcançados no exterior, sabe-se que é modelo sofisticado e que pode virar queridinho por aqui. Mas repete-se a pergunta: era o momento da troca?
Por mais que tenha apresentado algumas falhas no fim do vitorioso percurso de 2022, encerrado com duas taças importantíssimas, o automóvel rubro-negro talvez precisasse de ajustes finos para voltar a dar voltas em seus adversários, como fez tão bem no mata-mata da Libertadores e na reta final da Copa do Brasil
É bom repetir: Vítor Pereira está longe de ser o principal culpado. De fato seu trabalho está no início. Passaram-se apenas 58 dias desde o primeiro treinamento à final da Recopa Sul-Americana.
A parcela de Vítor contra o Del Valle
Que Vítor Pereira tem culpa também, porém, isso é elementar. Como o próprio disse, sabia da limitação do tempo. E, diante dela, não conseguiu dar uma cara ao Flamengo até então. O time começou os grandes jogos de 2023 mostrando grande falta de consistência defensiva. E isso não se trata de problemas da zaga ou da defesa, mas da forma que a equipe marcava como um todo. Tal dificuldade escancarava buracos entre os setores, sobretudo no meio-campo. Resultado: da final da Supercopa do Brasil à disputa do terceiro lugar no Mundial, o time sofreu nove gols em três jogos.
A partir dos últimos dois jogos – vale destacar que o Flamengo enfrentou o Botafogo com uma mescla entre reservas e garotos -, a defesa funcionou, e o Rubro-Negro não foi vazado. O rendimento ofensivo, porém, caiu drasticamente. Se no recorte que reúne Palmeiras, Al Hilal e Al Ahly o time marcou também nove gols, diante de Del Valle e Bota foram apenas dois.
Onde entra a culpa de VP exclusivamente contra os equatorianos? Na opinião do autor do texto, talvez valesse mexer mais cedo no meio-campo, que foi para o intervalo com seus três integrantes amarelados. Vidal, aliás, correu risco de ser expulso ainda no primeiro tempo.
Mais do que o fato de estarem pendurados, porém, acentuava-se a queda do trio, cada a um seu tempo. O chileno sentiu o cartão e começou a precipitar passes. Thiago Maia também caiu, e Everton Ribeiro, destaque do time no primeiro tempo, deu claros sinais de cansaço.
Vale lembrar que, apesar da pressão, o Flamengo não apresentou futebol vistoso. Teve muito volume, mas chegou especialmente em cruzamentos. As melhores chances no primeiro tempo vieram em cabeçadas de Pedro, Thiago Maia, Ayrton Lucas e Arrascaeta.
Foram 59 cruzamentos durante o jogo, somando os dois tempos e prorrogação. Número excessivo para uma equipe reconhecidamente técnica. Na etapa final, porém, as duas finalizações que precederam o gol de Arrascaeta, marcado aos 50 minutos, foram em cabeceios de Pedro e David Luiz, o primeiro sem perigo e o segundo com o zagueiro em total liberdade.
Parcela de culpa do time
Mas o Flamengo foi só chuveirinho? Não. Boas combinações apareceram pelo lado direito, onde Everton Ribeiro dialogava bem com Gabigol e especialmente com Varela. Não foi dessa vez que o uruguaio se destacou, até porque tomou decisões erradas.
O lateral, porém, mostrou-se mais agudo e teve personalidade para finalizar a jogada coletiva mais bonita do Flamengo, aos 51 minutos do primeiro tempo: Vidal fez linda inversão com o pé esquerdo, Pedro fez o pivô com força, dominando no peito e girando para Gabi, que tocou no vazio para o uruguaio bater bonito e parar no contrapé do goleiro Ramírez.
Jogo coletivo à parte, faltou efetividade ao Flamengo. Foram 26 finalizações, e quatro claras foram desperdiçadas, por Pedro, Thiago Maia, Arrascaeta e David Luiz.
Jogadores e treinador estavam com discurso afinado. “O time deles não levou perigo, o nosso jogou muito melhor e criou muito mais” era o que diziam, mas é preciso insistir: faltou matar o jogo. E ainda falta repertório.
Fonte: Fred Gomes — Rio de Janeiro