Comprar ação da Eletrobras com FGTS: bom negócio ou furada?
Governo abrirá a possibilidade de utilizar até 50% do saldo para comprar ações da Eletrobras em seu processo de privatização. O Valor Investe ouviu especialistas do mercado financeiro para saber se a troca vale a pena
Por Julia Lewgoy e Weruska Goeking, Valor Investe — São Paulo
20/05/2022 00h00 Atualizado há 8 horas
O governo federal vai abrir mais uma porta de saída para os valores que os trabalhadores possuem no FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). O fundo que rende bem pouco e que, em geral, as pessoas aproveitam toda e qualquer oportunidade para tirar o dinheiro de lá e fazer melhor uso das cifras. Desta vez, será possível utilizar até 50% do saldo para comprar ações da Eletrobras em seu processo de privatização.
Atualmente, o FGTS rende 3% ao ano mais a TR (Taxa Referencial), que está zerada desde 2017. Nos últimos 12 meses, as ações ordinárias da Eletrobras renderam 5,18%. Olhando no retrovisor a resposta é óbvia: a Eletrobras se saiu melhor. Mas é preciso lembrar da máxima dos investimentos: retorno passado não garante ganho futuro
Veja o desempenho das ações ordinárias da Eletrobras ao longo dos últimos 10 anos
Será que vale a pena o risco de sair do FGTS para o mercado acionário? Como praticamente tudo em economia e investimentos: depende, especialmente do tipo de investidor que você já era antes da liberação do governo para a “troca” do FGTS por ações.
Quem ainda não tem uma reserva de emergência em aplicações financeiras com baixo risco, com valor equivalente a pelo menos seis meses de gastos, não deve comprar ações com o dinheiro do FGTS, segundo especialistas ouvidos pelo Valor Investe. Nesse cenário, esse recurso deve ser guardado para ser usado em caso de demissão sem justa causa. Isso porque as ações são investimentos de alto risco e não dá para saber se será possível contar com o retorno delas em uma emergência desse tipo.
Já quem tem uma reserva de emergência, e aceita correr mais riscos em aplicações financeiras, pode usar uma parte do dinheiro do fundo para comprar ações, inclusive para investir na bolsa pela primeira vez. Contudo, é necessário cautela. Metade do FGTS é demais até para esses investidores, de acordo com os especialistas. Eles desaconselham aplicar tanto recurso (50% do fundo) nos papéis de apenas uma companhia.
“Nunca é indicado botar grande parte do FGTS em um ativo só, mesmo que fosse renda fixa. As pessoas precisam prezar pela diversificação da carteira de investimentos, para diluir os riscos, ainda mais agora, em um cenário de pandemia e guerra”, indica Bia Moraes, educadora financeira da corretora Ativa Investimentos.
Ela apoia a ideia de usar o dinheiro do fundo para investir, mas recomenda alinhar as aplicações financeiras aos objetivos e perfil de cada um e diversificá-las com estratégia. A diversificação deve ser feita entre classes de investimentos.
Caso as ações estejam entre as classes escolhidas pelo investidor, o aporte deve ser feito em papéis de diferentes empresas. Os investidores que acharem difícil selecionar as ações sozinhos podem comprar ETFs (Exchange Traded Funds, ou fundos de índice) ou fundos de ações, mas aí, obviamente, sem usar o dinheiro do FGTS, já que este só é liberado em casos específicos, como este da privatização da Eletrobras.
Uma Eletrobras para chamar de sua?
E para quem está montando ou já tem uma carteira de investimentos diversificada, comprar as ações da Eletrobras na oferta é uma boa ideia?
Ilan Arbetman, analista de ações da Ativa Investimentos, avalia que sim. Ele destaca que a companhia, apesar de estar perdendo espaço para concorrentes, ainda é uma gigante do setor, com mais de 30% da capacidade de geração de energia do país. Também ressalta que os papéis funcionam como uma proteção para a carteira de ações atualmente, já que a companhia sofre menos com o aumento da inflação.
“As pessoas sempre vão precisar de energia e os contratos sempre vão ser indexados pela inflação, independentemente do ciclo econômico”, afirma.
Arbetman é do grupo que acha que a capitalização é uma oportunidade de a empresa se equiparar às concorrentes e abocanhar oportunidades futuras no setor elétrico. “O preço atual da ação está com desconto. Ainda não contempla as melhorias operacionais, financeiras e de governança que devem ser feitas na Eletrobras e que possivelmente vão contribuir para que esse desconto em comparação às concorrentes diminua”, diz.
Paulo Gala, economista-chefe do banco Master, também acredita na valorização das ações da Eletrobras no longo prazo por se tratarem de “ativos de bastante qualidade” e fazerem parte de um setor chamado por especialistas de “monopólio natural”, com risco considerado baixo e de serviço essencial ao país.
Vale atenção especial ao termo “longo prazo”. Assim como o FGTS pode ser resgatado apenas na aposentadoria, Gala acredita que o aporte em ações da Eletrobras deve ser feito pensando em um horizonte de 20 a 30 anos. “Quem entrar nisso estará comprando um ativo de excelente qualidade”, diz.
Embora seja uma ação atrativa, Gala orienta que o investidor coloque, no máximo, 25% de seu portfólio de investimentos em ações – e essa parcela deve ser dividida entre vários ativos, ou seja, nem pensar colocar 50% do FGTS só nessa empresa. Esse é um senhor risco.
Enrico Cozzolino, sócio e analista da casa de análises Levante, também aprova comprar ações da Eletrobras na oferta. Na análise dele, o setor de energia é a bola da vez da bolsa neste ano, porque tem facilidade de repassar os custos aos consumidores em um cenário de alta da inflação, ou seja, é bastante defensivo neste momento. Além disso, ele destaca que o setor de energia é um bom pagador de dividendos.
Cozzolino acredita que as ações da Eletrobras estão com desconto em comparação aos concorrentes porque, apesar da expectativa de capitalização, a companhia ainda tem riscos de interferência do governo pela frente.
“O governo vai continuar sendo um acionista relevante e há um prêmio de risco por isso, mas não acho que o risco é tão alto assim, porque a empresa continuará se beneficiando do cenário do setor enquanto a inflação não diminuir”, avalia o sócio e analista da Levante, que também gosta de ações do setor como Copel, Engie e Transmissão Paulista.
Os riscos da ação da Eletrobras são um ponto importante a ser destacado, mesmo que o otimismo esteja ganhando na balança neste momento. A Eletrobras faz parte de um setor altamente regulado por agências e legislações governamentais.
Ou seja, mesmo que seja difícil surgir um concorrente da noite para o dia em geração de energia elétrica, a companhia não decide sozinha quanto vai cobrar por ser serviços. “Ela não é uma empresa de livre mercado”, afirma Gala. O negócio da companhia também está atrelado a situações como o nível de chuvas e o tipo de bandeira tarifária de energia elétrica em vigor.
Descontinho?
Ainda não há detalhes sobre o preço que as ações serão oferecidas aos trabalhadores com recursos no FGTS, mas é comum que comprar ações na oferta seja mais barato do que na bolsa.
O valor da ação só será definido após uma operação denominada “bookbuilding”, quando é feita a coleta das manifestações de interesse na aquisição dos papéis. A demanda determinará o preço final das ações, quando finalmente ocorrerá a liquidação da operação, que é esperada para acontecer no fim de junho.
Esse prazo é importante já que o objetivo do governo é concluir a capitalização antes das férias do hemisfério norte, que reduz a liquidez das bolsas em todo o mundo, e também evitar o clima mais quente da disputa das eleições presidenciais no segundo semestre.
Fonte: Julia Lewgoy e Weruska Goeking, Valor Investe — São Paulo