Governo realiza nesta sexta polêmico leilão de termelétricas previsto na privatização da Eletrobras
Usinas serão construídas no Norte e no Nordeste, áreas sem oferta de gás natural, e terão contratação obrigatória, o que pode onerar tarifas do país. Certame é questionado na Justiça
Por Gabriel Shinohara — Brasília
30/09/2022 00h01 Atualizado há uma hora
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realiza nesta sexta-feira um leilão para contratar usinas termelétricas movidas a gás natural em regiões onde sequer há o insumo. Questionada na Justiça, a contratação foi incluída pelo Congresso no projeto de privatização da Eletrobras como um “jabuti” no texto, ou seja, um tema que nada tinha a ver com venda da estatal.
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O edital prevê a contratação de 2 mil megawatts, sendo metade na região Norte, que deve começar a funcionar em dezembro de 2026. Os outros 50% divididos entre Maranhão e Piauí, que começam em dezembro de 2027.
Segundo a Aneel, o leilão tem objetivo de reforçar a segurança do sistema elétrico nacional. As termelétricas precisarão obedecer alguns critérios, como gerar energia por 70% do tempo de operação e deverão ser flexíveis para que o operador possa modular a geração entre dias úteis, finais de semana e feriados.
A contratação dessas termelétricas é questionada porque elas serão instaladas em regiões sem fornecimento de gás, o que obriga a construção de gasodutos. Há um temor de que essas infraestrutura de transporte seja incluída na tarifa, na forma de subsídio, o que pode encarecer as contas.
Adriana Oliveira, head de projetos térmicos da Thymos Energia, explica que o leilão é para reserva de capacidade e não tem como característica entregar a energia para o consumidor final. As térmicas serviriam como uma segurança em casos de falta de chuvas para hidrelétricas, ou vento e sol, no caso de energia eólica e solar.
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— Esse é um leilão para entregar capacidade e confiabilidade para o sistema. É reserva porque a térmica fica lá, ela é contratada por disponibilidade. Quando o sistema precisa de requisitos de capacidades,estabilidade, é como se fosse uma proteção para o sistema e não para entregar energia via distribuidora — afirmou.
Clarice Ferraz, diretora do Instituto Ilumina, diz que é necessário ter uma visão sistêmica da energia do país e aponta que necessidade de gerar 70% do tempo de operação traz um dessaranjo para o sistema elétrico.
Ferraz argumenta que com necessidade, as termelétricas acabam sendo priorizadas no momento em que a energia é despachada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), que coordena o sistema elétrico do país.
— Ele desarranja o setor elétrico porque vai onerando e condenando a matriz elétrica brasileira a consumir energia mais cara, essa energia que é perigosa no sentido de que pode ter escassez mesmo. O país não é autossuficiente em gás — disse.
Questionamentos
O Instituto Internacional Arayara entrou com uma ação na Justiça Federal nesta semana pedindo o cancelamento do leilão. Um dos argumentos é que nas localidades em que está previsto a construção das térmicas não há infraestrutura de transporte do gás e nem demanda por energia.
“Será necessária a exploração de jazidas de gás, a construção de gasodutos e de rede de transmissão de energia elétrica, haja vista que nas localidades em que se pretende construir as térmicas contratadas no Leilão impugnado não há infraestrutura e muito menos demanda”, aponta na ação que corre na Justiça do Distrito Federal.
Adriana Oliveira, da Thymos Energia, argumenta que a ideia por trás desses leilões é justamente fomentar a criação da infraestrutura de transporte de gás.
— A grande maioria desses gasodutos hoje são projetos, não existem, um dos intuitos desse leilão é exatamente isso, levar infraestrutura de gás para o interior do Brasil. Por isso foi escolhida as regiões, são lugares que não têm estrutura desenvolvida — disse.
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Antes, entidades do setor elétrico e de defesa do consumidor, como a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), o Instituto Clima e Sociedade e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), já haviam pedido o cancelamento do leilão também por conta dos possíveis impactos ambientais.
Um estudo do Idec apontou que a tarifa de energia para os consumidores brasileiros poderia aumentar em 10% na média com a contratação das térmicas. Oliveira, da Thymos, não projeta esse aumento porque o consumidor não está diretamente do outro lado.
O leilão
O leilão será realizado às 10h na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, em São Paulo. O custo de referência será de R$ 444 megawatt-hora, que deverá ser reduzido pelos lances dados.
Oliveira, da Thymos, projeta que o leilão será bem-sucedido, mas há riscos principalmente no caso do Nordeste por conta do preço internacional do gás.
— No Norte a chance é maior porque o gás é nacional. Agora no Nordeste que tem gás importado, existe o risco de não viabilizar por causa da alta do combustível — disse.
Já a diretora do Instituto Ilumina, Clarice Ferraz, pontua que o risco para o Brasil é muito grande porque ao colocar mais termelétricas, aumenta a dependência do país sobre energia fósseis.
— Essas termelétricas são as mais caras mesmo, então você não sabe… tem estimações de quanto vai ser esse preço exatamente, mas a incerteza é enorme porque a gente tá falando desse combustível que é precificado internacionalmente e que está no meio do conflito geopolítico (guerra entre Rússia e Ucrânia) — ressaltou.
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As termelétricas poderão ser instaladas em alguns locais pré-determinados. No caso do Maranhão, as localidades previstas na portaria editada pelo governo são a região metropolitana do sudoeste do estado, a capital São Luís e sua região metropolitana.
No Piauí, as construções precisarão acontecer em Teresina ou na Grande Teresina.
Já no Norte, várias regiões estão aptas pela portaria. No Pará, Belém e região metropolitana, assim como Santarém. Já no Amapá, a capital Macapá; no Amazonas, Manaus; no Acre, Rio Branco; Rondônia, Porto Velho; em Tocantins, Palmas e região metropolitana de Gurupi.
Fonte: Gabriel Shinohara — Brasília