Guerra na Ucrânia adia transição energética global
Usinas de carvão são religadas em países como Alemanha e Reino Unido. Europa vai racionar energia, após corte de gás russo
Por Sabrina Lorenzi, Especial para O Globo — Rio
04/10/2022 04h30 Atualizado há 35 minutos
Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro deste ano, a dependência da economia global dos derivados do petróleo voltou a ficar em evidência. Em reação às sanções econômicas dos países do Ocidente, a Rússia reduziu seu fornecimento de gás para a Europa, levando vários países do continente a lidarem com a maior alta da inflação em várias décadas e obrigando a região a adotar um plano para racionar energia.
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Nestas condições, o processo de substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis se tornou um desafio ao mesmo tempo mais urgente e mais difícil de ser obtido no curto prazo. Sem o gás russo, fábricas têm reduzido a produção em vários países europeus, e usinas térmicas a carvão foram religadas na Alemanha e no Reino Unido.
— Estamos falando de falta de energia. Quando se fala em energia como arma para se ganhar uma guerra, nós, da indústria, precisamos fazer o máximo possível para aliviar essas tensões — afirmou o vice-presidente sênior e economista-chefe da norueguesa Equinor, Eirik Wærness, no painel “Riscos geopolíticos, desafios e oportunidades para o Brasil” da Rio Oil & Gas.
Busca por eficiência
Fontes poluidoras voltaram à tona, na contramão de compromissos com o meio ambiente acertados no Acordo de Paris.
— O que temos nesse momento é que estamos aumentando óleo e carvão. Temos emergência militar, emergência nas políticas públicas — disse o diretor executivo do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia (EUA), Robert Johnston, que também participou do painel.
O setor acompanha com lupa os próximos passos dos Estados Unidos, que até então têm sido fonte importante de abastecimento de gás para a Europa, assim como o Canadá. A dúvida é se esses países vão conseguir manter a oferta diante da chegada do inverno no Hemisfério Norte.
— Estamos preocupados com os preços na Europa, estamos abrindo todas as válvulas, mas não tem muito o que possamos fazer no curto prazo; a demanda é muito maior que o fornecimento — acrescentou o executivo da Equinor.
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Especialistas debatem painel na Rio Oil and Gas: Na foto, o embaixador Marcos Caramuru; Robert Johnston, da Columbia University; Eirik Wærness, da Equinor; e Fernanda Delgado, diretora do IBP — Foto: Roberto Moreyra
Também presente no evento, o vice-presidente para energia global da S&P Global Commodity Insights, Carlos Pascual, estima que o barril de petróleo dispare para até US$ 150 em decorrência das novas sanções europeias contra a Rússia — a partir de dezembro, haverá novas restrições da União Europeia (UE) à compra de petróleo de Moscou.
Pascual avalia que a guerra da Ucrânia mudou toda perspectiva internacional do segmento de energia. Outro desafio, diz, é a demanda da China por petróleo e gás, que poderá crescer em virtude da retomada econômica do país.
— O tempo agora é crítico, porque precisamos funcionar bem e, ao mesmo tempo, pensar no futuro. A mudança climática é real e precisamos mudar nosso padrão de consumo energético — afirma Pascual.
Oportunidade para Brasil
A busca por outras fontes de energia, mais limpas — que têm sido alvo de investimento de algumas grandes petroleiras europeias — deve crescer como resposta à guerra na Ucrânia, pois a percepção é que o Ocidente não confiará mais na Rússia como fornecedora de gás, mesmo após o conflito. O problema é que esses investimentos não resolverão o gargalo do abastecimento no curto prazo.
Diante das graves limitações da oferta de energia na Europa, sejam elas poluentes ou limpas, os executivos presentes no evento defenderam políticas de eficiência energética, para reduzir a demanda.
A diretora-executiva da entidade que reúne petroleiras brasileiras (IBP), Fernanda Delgado, afirmou que a transição e a segurança energética vão ocorrer em ritmos diferentes ao redor do mundo, não sendo possível implementar uma solução única para todos os países.
— Não significa que não vamos lutar contra as mudanças climáticas, que não vamos andar em direção à descarbonização — afirmou a executiva. — O Brasil é líder em bioenergia e temos o maior uso de biocombustíveis e biomassa. Vejo esse cenário não como risco, mas como uma oportunidade,
Em outra mesa do evento, a escritora e jornalista búlgara Irina Slav, que há mais de uma década escreve sobre energia e geopolítica, alerta que o quadro é mais sensível na Europa.
— Não acredito que a Europa consiga fazer a transição energética, devido à falta de minerais, que em alguns casos já está acontecendo. Não haverá matéria-prima suficiente para seus planos de transição energética nas próximas duas décadas. Não se faz transição se não há cobre para produzir cabos elétricos ou painéis solares.
Fonte: Sabrina Lorenzi, Especial para O Globo — Rio