Lista de projetos prioritários de Lula para serem retomados inclui 223 obras iniciadas em seus outros mandatos
Governo pode acabar entregando empreendimentos iniciados pelo próprio presidente há mais de 13 anos
Por Dimitrius Dantas — Brasília
13/02/2023 04h30 Atualizado há 4 horas
Com a artilharia centrada na gestão Bolsonaro desde que recebeu do Tribunal de Contas da União (TCU) a lista com 8.674 obras paralisadas no país, o governo Lula precisará lidar com um cenário incômodo: desses projetos atualmente parados ou inacabados, 223 foram iniciados ainda nos dois primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2010, segundo levantamento do GLOBO. Outras 1.100 obras remetem aos governos da também petista Dilma Rousseff.
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Disposto a reaquecer a economia com a retomada das obras — oportunidade para a geração de empregos e retomada dos investimentos públicos de forma rápida, sem depender de novos projetos, licenciamentos e concessões — Lula pode acabar entregando obras iniciadas por ele próprio há mais de 13 anos.
E não se tratam de empreendimentos complexos, como hidrelétricas ou ferrovias, cujos prazos de execução podem superar uma década. Em janeiro de 2010, por exemplo, o governo do Rio Grande do Norte e o Executivo federal assinaram um convênio de R$ 74 milhões para a construção de uma adutora de água tratada em Mossoró. Segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) à época da contratação, a previsão inicial de término da obra era de 18 meses. Porém, mais de uma década depois, a adutora ainda não foi concluída.
Obras paralisadas segundo o TCU — Foto: Arte
De acordo com o governo estadual, a obra esteve paralisada para adequações e agora está novamente em processo de licitação. A divulgação da empresa vencedora deverá ocorrer em 14 de março após ajustes ao projeto. A previsão de conclusão, agora, é o segundo semestre de 2024.
“O ano de 2020 foi marcado por uma baixa produção nas indústrias de conexão de ferro fundido. As altas sucessivas nos preços dos insumos durante a pandemia, notadamente nos anos de 2021 e 2022, contribuíram para elevado risco de as empresas ofertarem uma proposta e não cumprirem, fazendo com que elas desistissem”, afirmou o governo do Rio Grande do Norte.
Para o levantamento, O GLOBO considerou apenas as obras que tiveram a causa da paralisação identificada pelo TCU: cerca de seis mil, incluindo obras das gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro. A associação do número de obras paradas ou inacabadas com os mandatos em que foram lançadas foi feita a partir de um cruzamento entre a planilha de obras paralisadas do TCU e a data de publicação dos convênios com o governo federal, disponível no Portal da Transparência. Ao todo, essas obras representam um investimento de R$ 5,9 bilhões.
Má gestão
Entre os motivos apontados para o não encerramento das obras iniciadas nas gestões petistas, três se destacam: mais da metade (733) foi interrompida por “dificuldade técnica do tomador”, que são os estados e municípios. Outras 200 foram paralisadas por decisão do gestor público, e 164 por causa de dificuldades técnicas ou financeiras da empresa. Ou seja, os problemas não são de projeto ou licenciamento, mas de gestão, recursos, órgãos conveniados e de licitação.
Em meio às centenas de obras, há algumas que deveriam ter sido entregues há quase dez anos. Com um investimento previsto de R$ 143 milhões, o túnel de drenagem da Arena das Dunas fazia parte do projeto da Copa do Mundo de 2014. No mesmo ano, também deveria ter ficado pronto o corredor de ônibus Leste-Itaquera, na cidade de São Paulo. Mas por problemas na execução, o contrato foi rompido.
— Esses dados refletem um problema crônico do Brasil, que é a má governança dos investimentos públicos: falta de planejamento, projetos de baixa qualidade, problemas na programação dos investimentos, execução falha, fiscalização deficiente — lista Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, especializada em infraestrutura.
As obras estão espalhadas por diversas categorias. O GLOBO catalogou cerca de 1,3 mil obras dos governos petistas em 12 grupos. A maior parte é ligada à área de esporte, lazer ou cultura: são parques, praças, centros esportivos ou de convenções, por exemplo — ou seja, intervenções sem grande complexidade. Há 357 paradas. Esse grupo é seguido por turismo, com 327 obras inacabadas; habitação e urbanismo, com 156; e saneamento e meio ambiente, com 122.
Mas os problemas vão além: há empreendimentos sensíveis que constam como paralisados ou inacabados. O GLOBO identificou, por exemplo, 22 obras de contenção de encostas.
Em 28 de novembro de 2012, no primeiro mandato de Dilma, foi firmado o convênio para contenção de encostas em Petrópolis (RJ). Segundo o TCU, apenas 31,5% da execução do serviço foi concluído desde então, um investimento de R$ 60 milhões. Focada em áreas de risco alto e muito alto, a obra se encontra paralisada ou inacabada, segundo o TCU, em razão da “incapacidade do tomador em arcar com reajustes”. Em 2022, em razão das chuvas, 241 pessoas morreram na cidade após deslizamentos de terra.
O governo do Rio afirmou que o convênio foi repassado à prefeitura de Petrópolis em 2013. O município não respondeu à reportagem. Em Goiás, a União publicou um convênio com o Executivo estadual em 2009, na gestão Lula, para a construção de um presídio em Novo Gama. A obra ainda não foi concluída. Segundo o governo estadual, serão retomadas em março, com investimento de R$ 15 milhões para concluir os 49% restantes até janeiro de 2024.
Agenda turbinada
Há também casos com pouca relevância financeira, mas que reforçam a profundidade do problema. Em Agrestina, Pernambuco, uma obra para a construção do pórtico da entrada da cidade já dura oito anos: o convênio é de junho de 2014. Segundo o secretário municipal de Obras, Sonaldo Serafim, a construção foi relicitada no fim do ano passado e está 65% concluída. De acordo com ele, nos oito anos de convênio, duas empresas não conseguiram terminá-la.
Na quarta-feira passada, Lula, em reunião com seu conselho político, já delineou que a retomada de obras será uma das prioridades do início do seu terceiro mandato. O governo aposta que isso pode ser um dos fatores para o reaquecimento da economia. O presidente afirmou que a partir desta semana vai se reunir com ministros, sobretudo os ligados às áreas de infraestrutura, para anunciar ações e recomeçar obras. Amanhã, o petista viajará para a Bahia onde vai inaugurar unidades do Minha Casa, Minha Vida e oficializará a retomada do programa.
— O dado concreto é que vamos tentar acabar tudo aquilo o que estava começado e ficou parado. Não queremos saber de quem é a obra, de que período de governo ela foi feita, queremos saber se ela é de interesse da cidade ou do estado — afirmou Lula durante a reunião no Planalto na quarta-feira.
O GLOBO procurou prefeituras e governos estaduais das dez maiores obras (em valor liberado) para ter mais detalhes, mas nem todos responderam.
Fonte: Dimitrius Dantas — Brasília