Museu do Ipiranga reabre após nove anos e uma reforma de R$ 235 milhões
Símbolo de São Paulo tem o dobro de área construída e o desejo de atrair mais público e propor novos questionamentos
Por Elisa Martins — São Paulo
06/09/2022 04h31 Atualizado há 4 horas
Visto de longe, parece o mesmo museu: uma construção majestosa em estilo neoclássico, inaugurada como monumento à Independência em um dos bairros mais antigos de São Paulo. Mas, de perto, o antigo prédio de 1895 surpreende com fachadas e interior totalmente restaurados, uma nova instalação subterrânea e museografia pensada para uma sociedade que também não parou no tempo. Depois de quase nove anos fechado, três deles em obras, o espaço finalmente reabre ao público, com o dobro de área construída e o triplo de capacidade expositiva. É um novo Museu do Ipiranga.
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A transformação — cujo resultado pode ser visto também em vídeo no site do GLOBO — marca o maior destaque nas comemorações do Bicentenário da Independência no país. O custo total da reforma é de R$ 235 milhões, entre recursos públicos e privados, incluindo o maior valor já captado entre a iniciativa privada via Lei Federal de Incentivo à Cultura, de R$ 187 milhões.
A reinauguração acontece hoje, apenas para autoridades e patrocinadores. Na quarta-feira, haverá uma reabertura simbólica para estudantes de escolas públicas e trabalhadores da obra com suas famílias. A partir de quinta, será a vez do público em geral, com ingressos gratuitos até 6 de novembro, mediante agendamento pelo site do museu.
— Ele nasce como monumento à Independência e agora, no Bicentenário, ganha seu auge em visibilidade e possibilidade, através do edifício e das exposições, de discutirmos nossa identidade e nossa História. Esse é o simbolismo do novo Museu do Ipiranga —diz Amâncio Jorge de Oliveira, vice-diretor do espaço.
Em frente à construção, no Parque da Independência, também estão previstos projeções, concertos e shows gratuitos. Amanhã, haverá um espetáculo da Orquestra Jovem do Estado de São Paulo e apresentações de artistas como Criolo, Margareth Menezes, Vanessa da Mata, Fafá de Belem, entre outros, e até um balé de drones. A programação segue com outros shows no parque até dia 11.
Memória afetiva
Dentro do museu, a expectativa é que o público se reconecte com o espaço que resistiu na memória afetiva de muita gente, mesmo fechado, e que retorne, não só em excursão da escola. Para isso, as mudanças vão além de uma obra convencional. O museu está mais acessível na forma e atraente na linguagem.
A entrada agora será por um prédio escavado embaixo do edifício-monumento, e que abriga bilheteria, cafeteria, livraria, auditório para 200 pessoas, espaços educativos e uma sala climatizada de 900m² para exposições temporárias. O desafio da nova instalação era não atrapalhar a visibilidade do prédio histórico, daí a alternativa subterrânea. Foram retirados 35 mil metros cúbicos de terra, o equivalente à capacidade de dois mil caminhões caçamba.
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Dessa nova área o público subirá ao edifício histórico, que foi o primeiro a ser restaurado, incluindo os 7.600 metros quadrados da fachada.
— Todas as esquadrias foram preservadas e restauradas. Retiramos todas as camadas de tinta que foram colocadas indevidamente ao longo do tempo, resgatando o tom mais próximo do original —explica Marcelo Sancho, sócio-diretor da empresa que assessorou o museu na restauração. — A dificuldade é do tamanho do museu. Um espaço monumental, eclético, de base neoclássica, muito na fachada, com grandes desafios.
Toda a iluminação foi recomposta, assim como o sistema de combate a incêndios.
— Não só fizemos uma atualização nas instalações tradicionais, como hidráulica, elétrica, ar-condicionado etc, como nas instalações de mídia e redes, para que pudéssemos ter uma receptividade aos visitantes o mais interativa possível —explica Frederico Martinelli, engenheiro responsável pela reforma.
A interação está no acesso, facilitado para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida, e no acervo, que se abre de maneira mais inclusiva. As exposições trazem diversos materiais multimídia, telas táteis, vídeos com interpretação em Libras, peças interativas, pisos táteis para visitantes cegos e com baixa visão, além de iluminação e estímulos nas salas adequados à pessoas autistas.
Símbolo restaurado
Com tanto tempo fechado, o acervo também passou por uma restauração detalhada. Um dos destaques é o quadro “Independência ou Morte” (1888), de Pedro Américo, atração do Salão Nobre.
— A restauração se voltou para a camada pictórica, que estava bastante alterada. Também havia o acúmulo de poeira de vários anos. O verniz passou da validade, escurecia as cores — conta Yara Petrella, profissional responsável pelo restauro da tela.
Depois de muita pesquisa, a equipe começou a buscar géis para retirar o verniz e a repintura em uma área extensa, principalmente na área do céu.
— É muito significativo trabalhar com uma tela dessa importância, que está no imaginário do povo, e é símbolo da independência e desse museu — diz ela, que trabalha há 31 anos no Ipiranga.
Textos e vídeos que acompanham o acervo também foram pensados para uma sociedade de hoje, em uma curadoria colaborativa entre professores e curadores do museu. São 12 exposições no novo museu, em um espaço ampliado de 12 para 49 salas de mostras.
— É um novo museu, que traz a sociedade para dentro de si. Não está só preocupado com as grandes personalidades — diz a professora e curadora Ana Paula Nascimento.
Todas as exposições do também chamado Museu Paulista trazem, junto aos textos explicativos, espaços que fazem contrapontos na História. Entre eles, de temas que provocam discussões acaloradas nos dias de hoje, da relação entre indígenas e portugueses à dominação de bandeirantes ou a organização do trabalho e divisão de papéis entre homens e mulheres na sociedade.
— Queremos trazer novos públicos e novos questionamentos. Que as pessoas interajam mais, que não seja só aquele visitante passivo, e que se sintam representados —diz Ana Paula Nascimento. — Existe só uma independência? Existe só uma história do trabalho? Não. É um caleidoscópio. Precisamos disso.
Fonte: Elisa Martins — São Paulo