Novo juiz da Lava Jato em Curitiba quer fim do espetáculo e resgate da neutralidade: ‘Ninguém vai ter tratamento privilegiado’
Força-tarefa foi encerrada em 2021, mas centenas de processos da operação seguem tramitando. Apesar das críticas à Lava Jato, Eduardo Appio a considera um marco no julgamento de crimes complexos.
Por Caio Budel, g1 PR — Curitiba
17/02/2023 03h00 Atualizado há 20 minutos
A 13ª Vara Federal de Curitiba, berço da Operação Lava Jato, está desde o início de fevereiro sob o comando do juiz Eduardo Fernando Appio.
Na Justiça Federal há mais de duas décadas, o magistrado disse ao g1 ter como missões o resgate da credibilidade e da neutralidade político-partidária e o fim da espetacularização.
“A Lava Jato não morreu e não vai morrer pela simples razão que nós temos um volume muito grande de processos em trâmite e outros tantos que foram remetidos às justiças eleitorais”.
Atualmente, no Paraná, em torno de 240 processos originários da Lava Jato continuam em tramitação, 70 destes sob sigilo.
A Lava Jato é considerada uma das maiores operações de combate à corrupção do país e começou em 2014. A força-tarefa teve entre os principais atores o atual senador pelo Paraná, ex-juiz Sergio Moro, que foi ministro de Justiça no governo Jair Bolsonaro (PL) e, agora, é filiado ao União Brasil.
Outra figura marcante da operação é o ex-procurador federal Deltan Dallagnol (Podemos), eleito deputado federal nas eleições de 2022 também pelo Paraná.
Em fevereiro de 2021, a força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF) no Paraná deixou de existir. Parte dos procuradores foram integrados ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) para tocar as ações penais restantes vinculadas à operação.
Em entrevista ao g1, o juiz Appio afirmou que acompanhou a operação desde o começo, disse ter torcido por ela, e ressaltou que a motivação dele para assumir o cargo na 13ª Vara foi “estritamente profissional”.
Espetacularização das prisões
O juiz considera a Lava Jato um marco e reforça a importância da operação para a “nova fase no Brasil”, em que crimes complexos passaram ser julgados por varas e juízes especializados.
Ao mesmo tempo, Appio critica algumas conduções processuais que viraram, na avaliação dele, o “tendão de Aquiles” da Lava Jato: as espetacularizações. Deixar o show de lado é, inclusive, uma das missões do magistrado.
Entre os maus exemplos citados pelo juiz estão a prisão do ex-presidente Michel Temer, (MDB) em 2019.
“A prisão do ex-presidente Michel Temer aconteceu em via pública, filmada, com uma série de policiais portando fuzis de alto calibre, calibre letal, para tratar de um ex-presidente, uma pessoa que bem ou mal é um notável jurista. Não se trata de ideologia.”
Momento em que o ex-presidente Michel Temer é abordado pela Polícia Federal — Foto: Reprodução/TV Globo
O juiz avalia também que muitas conduções coercitivas (quando a Justiça manda a pessoa ser levada para depor), por exemplo, foram executadas com uso de algemas em suspeitos ou condenados que não apresentavam risco à segurança pública ou aos agentes.
“Uso de algemas é de fato essencial para a segurança dos policiais quando o preso tem alguma periculosidade, mas lembremos o caso do atual presidente ou do Temer, ou outras figuras na casa dos 70 e 80 anos. Honestamente, alguém acha que essas pessoas precisariam ser algemadas para serem conduzidas até a carceragem ou até uma delegacia?”.
O magistrado também considera ter havido problemas graves na prisão do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2018. Leia mais abaixo.
Lula em carro da Polícia Federal em São Paulo — Foto: Suamy Beydoun/Agif/Estadão Conteúdo
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Prisão de Lula teve erros, avalia magistrado
Especificamente sobre a prisão de Lula, determinada por Moro na Lava Jato, Appio considera que ocorreram problemas jurídicos graves.
Ele cita, por exemplo, uma questão de retroatividade: a mudança de uma jurisprudência no curso da operação, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitiu a execução da pena antes de esgotados todos os recursos cabíveis.
Para o juiz, prova implícita do erro é que, enquanto o presidente estava detido na sede da Polícia Federal de Curitiba, o entendimento que referendou a prisão foi revisto, reconhecendo posteriormente a ilegalidade do ato e resultando na soltura de Lula.
Além disso, o juiz relembra que o Supremo também tinha entendido que não havia competência da 13ª Vara para julgar o então ex-presidente.
“Quando o Judiciário cria um novo entendimento, uma nova jurisprudência, ela não pode se voltar para casos que já foram iniciados, se não ela seria mais gravosa e retroativa. Ela voltaria para o passado.”
Moro e antecessores
Professor universitário e pós-doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Appio sinaliza já ter tido muitas posições contrárias à Lava Jato. Ainda assim, reconhece o trabalho de antecessores como Moro.
Para o juiz, mesmo que não haja concordância sobre tudo que foi feito na força-tarefa, estar à frente da 13ª Vara é “o maior desafio que qualquer juiz criminal pode assumir hoje no Brasil”.
“Existem críticas, eu mesmo as fiz no passado como professor universitário, sem dúvida nenhuma. Tanto a atuação do juiz Marcelo Bretas (RJ) como do hoje senador e ex-juiz Sergio Moro em algumas questões. Mas isso não invalida o fato de que foram dois juízes muito dedicados, durante muitos anos, ao serviço público federal.”
Sergio Moro foi eleito senador e Deltan Dallagnol, deputado federal pelo Paraná — Foto: REUTERS/Adriano Machado/ e Giuliano Gomes/PR Press
Neutralidade político-partidária
Appio diz que vai prezar pela igualdade de tratamento em todos os processos, sem privilégios. Afirmou, também, que não tem aspirações políticas – nem hoje nem no futuro.
“Existe neutralidade político-partidária absoluta da minha parte. Eu dou a minha palavra de honra sobre isso. Não existe nenhum direcionamento ideológico partidário e nunca vai haver […] Aqueles que tinham aspirações políticas já foram para política. Aqueles que não foram poderiam ter ido, e não foram porque optaram por ficar na carreira judicial”.
Sobre processos ligados à Lava Jato repassados a outros tribunais regionais, o juiz disse estar cobrando o andamento dos casos para que os trabalhos sejam concluídos
“Que esses processos não fiquem parados, independentemente de qual partido esteja envolvido, porque nós queremos que a lei seja igual para todos. E que todos que tenham que pagar, paguem. […] Se os processos não retomarem o curso, se ficarem parados nos arquivos, eu vou encaminhar os casos ao Conselho Nacional de Justiça, em Brasília”.
Sobre Eduardo Appio
Natural do Rio Grande do Sul, Eduardo Appio trabalha em fóruns há mais de 30 anos, sendo 23 deles dedicados à Justiça Federal. Atuou também como promotor de justiça no Paraná e juiz de direito no Rio Grande do Sul.
Antes de assumir a 13ª Vara Federal, Appio estava na área previdenciária, atuando na 2ª Turma Recursal do Paraná. Lá, o trabalho era colegiado, ou seja, sem decisões monocráticas.
O juiz chegou à vara por meio do concurso de remoção de magistrados para as unidades do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
O juiz Luiz Antônio Bonat, que antecedeu a titularidade de Appio, saiu do cargo em 2022 e a vaga foi preenchida temporariamente pela juíza Gabriela Hardt.
Fonte: Caio Budel, g1 PR — Curitiba