O naufrágio do navio de guerra inglês que mudou a história da navegação
Nosso barco estava a apenas alguns quilômetros de St. Mary’s, a ilha principal das Ilhas Scilly, mas o mar havia se tornado um animal totalmente diferente.
As águas calmas do porto haviam ficado há muito tempo para trás e, à medida que contornávamos as Western Rocks — um conhecido cordão de recifes afiados como navalhas, no extremo sudoeste da Inglaterra — as ondas aumentavam.
As ondas batiam contra a proa, enquanto o barco tombava para frente e para trás.
A água estava da cor da meia-noite, e eu espiei na escuridão em busca de um sinal do HMS Association, um dos mil naufrágios que se encontram estilhaçados no fundo do mar ao redor das Ilhas Scilly.
Formada por recifes paralelos, cuja maior parte fica submersa na maré alta, as Western Rocks representavam uma grande ameaça para os marinheiros com destino a um porto seguro em Tresco ou St Mary’s.
“Duvido que qualquer coleção de rochas em todas as Ilhas Britânicas tenha uma reputação pior”, diz Richard Larn OBE, presidente da Sociedade Internacional de Arqueologia Marítima e Naufrágios e autor do livro Sea of Storms: Shipwrecks of Cornwall and the Isles of Scilly (“Mar de Tormentas: Naufrágios da Cornualha e das Ilhas Scilly”, em tradução livre).
“Esta imensa área de perigo oculto foi cenário de vários dos piores desastres de naufrágio nas Scilly.”
Nenhum, no entanto, foi mais trágico, nem desempenhou um papel tão significativo na história, do que o naufrágio do Association nos primeiros anos do século 18.
Um navio de guerra inglês de segunda categoria com 90 canhões, o HMS Association era o “carro-chefe” de Sir Cloudesley Shovell, que passou de humilde ajudante a almirante da frota em 1705.
Shovell se destacou na Guerra dos Nove Anos e nos primeiros conflitos da Guerra da Sucessão Espanhola, mas depois de um verão sitiando (sem sucesso) o porto francês de Toulon, ele zarpou para casa, saindo de Gibraltar para a Inglaterra no fim de setembro de 1707.
Por volta das 20h do dia 22 de outubro de 1707, acreditando que estavam ao longo da costa da Bretanha e seguindo para o Canal da Mancha, a frota avançou pela escuridão em direção às Western Rocks.
O Association, sob o comando do Capitão Edward Loades, bateu na rocha Outer Gilstone e afundou em dois minutos. Três outros navios — o Eagle, o Romney e o Firebrand — também naufragaram.
“Como o tempo estava muito nebuloso e chuvoso e a noite escura… alguns deles [estavam] sobre as rochas a oeste das Scilly sem saber. Nenhum homem do Association foi salvo”, reportou na época o Daily Courant, o primeiro jornal diário britânico.
Cerca de 1.450 homens morreram nos quatro navios, restaram apenas 24 sobreviventes entre eles. Continua sendo um dos piores desastres da história marítima britânica.
Mas, como os melhores marinheiros da época — tão famosos quanto Lord Nelson era na sua época, de acordo com Larn — ficaram completamente e catastroficamente perdidos?
O mau tempo não ajudou, tampouco a natureza baixa das Ilhas Scilly e seus recifes, que se misturam à superfície da água à noite devido à pouca visibilidade.
A análise dos diários de bordo dos navios que conseguiram voltar a Londres também revelou que os oficiais da frota estavam usando mapas que colocavam as Ilhas Scilly oito milhas náuticas ao norte.
Todas essas questões eram agravadas pelo problema real — que no início do século 18, não havia uma maneira precisa de determinar a longitude exata de um navio (sua posição leste-oeste) no mar.
Os marinheiros usavam um processo chamado “navegação estimada”, medindo velocidade, direção e distância para estimar sua localização.
Mas era um palpite bem fundamentado, na melhor das hipóteses. Shovell e seus oficiais sabiam que estavam alinhados com o Canal da Mancha, mas nunca teriam como saber de que lado das Scilly estavam.
Perder o almirante da frota e tantos homens ao lado dele, “mexeu com a opinião pública e foi citado como um exemplo da necessidade urgente de um método para encontrar a longitude no mar”, escreveu o curador tenente-comandante David Waters no catálogo 4 Steps to Longitude, uma exposição no National Maritime Museum, em 1962.
Larn vai mais além, acreditando que o parlamento introduziu a Lei da Longitude de 1714 como resultado direto do desastre.
A lei oferecia uma recompensa — o Prêmio Longitude — de £20 mil a quem conseguisse criar uma solução que fosse “viável e útil no mar”.
Isaac Newton e Edmond Halley (famoso pelo cometa) se empenharam na tarefa, mas o problema foi resolvido por um carpinteiro que virou relojoeiro de Yorkshire.
John Harrison levou 25 anos e quatro tentativas, mas em 1759 ele inventou um cronômetro marinho que permitia a um navio calcular sua longitude comparando a diferença do horário local no mar com o horário de Greenwich.
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Fonte: Por Keith Drew, BBC Travel