fbpx

Menu

Site desenvolvido por Ligado na Net :

O que está por trás do movimento da “desistência silenciosa”?

Também conhecido como “quiet quitting”, movimento que prega não desempenhar funções no trabalho além daquelas previstas no contrato tem se popularizado nas redes sociais e alertado empresas

Por Marília Marasciulo, com edição de Luiza Monteiro

05/12/2022  Atualizado há 1horas

a de desemprego chegou a 14,7% no segundo trimestre de 2021. Ana Kozuki

Nem Beyoncé, a diva do pop estadunidense, aguenta mais. Em junho, Break My Soul, nova música da cantora, fez sucesso: ela reclama que tem trabalhado demais e não consegue dormir à noite. O tema seguiu em alta no mês seguinte, quando o TikToker Zaid Khan viralizou com um vídeo no qual explica o conceito de quiet quitting.

Em meio a imagens de dias ensolarados, áreas verdes e momentos simples do cotidiano, ele conta que conhecera recentemente o termo. “Você não está bem desistindo do seu trabalho, e sim da ideia ir além. Você ainda cumpre suas tarefas, mas não está mais concordando com a mentalidade hostil de que o trabalho tem que ser sua vida. A realidade é que não é, e seu valor como pessoa não é definido pelo seu ofício”

O vídeo de Khan tem quase 500 mil curtidas e mais de 4,5 mil comentários. Ao todo, conteúdos com a hashtag #quietquitting já acumulam mais de 340 milhões de visualizações no TikTok. A “desistência silenciosa”, como estudiosos brasileiros têm optado por chamar, consiste em um combate discreto ao excesso de entregas e cobranças, fazendo apenas aquilo para o que você foi contratado, em busca de restabelecer o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Reclamar do trabalho não é novidade no mundo do entretenimento. Em 1973, Raul Seixas cantou que deveria estar contente porque tinha um emprego, mas achava tudo um saco. Cinco anos depois, Tim Maia engrossou o coro, pedindo para não ser amolado com esse papo de emprego, ele queria era sossego. E lá em 1967, o urso Balu, do desenho Mogli, já havia dado a letra de que o segredo para uma vida tranquila era fazer o necessário, somente o necessário; o extraordinário era demais.

Na história, sobram exemplos reais de movimentos de resistência ou enfrentamento à opressão no ambiente trabalhista. A greve mais conhecida talvez seja a de 1º de maio de 1886 em Chicago, nos Estados Unidos. Na ocasião, dezenas de milhares de trabalhadores cruzaram os braços reivindicando a redução da jornada laboral de 13 para oito horas diárias. O ato inspirou a criação do Dia do Trabalho em muitos países, incluindo o Brasil. Os EUA, ironicamente, até hoje não reconhecem a data como feriado.

Mais de 130 anos depois, contudo, esse descontentamento se manifesta de forma inédita. A “desistência silenciosa” marca a primeira vez que um fenômeno sem organização coletiva ou institucional chama tanta atenção. “Diante da história, pelo menos na era moderna, é um jeito novo de se fazer reivindicação”, avalia a socióloga Andressa da Silva Corrêa, doutora em sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “O tema virou interesse tanto de especialistas da área quanto de conversas de bar e música da Beyoncé”, completa Corrêa, que pesquisa a sociologia do trabalho.

Nos Estados Unidos, 51% dos profissionais de recursos humanos afirmam se preocupar com o quiet quitting.  — Foto: Ana Kozuki

Nos Estados Unidos, 51% dos profissionais de recursos humanos afirmam se preocupar com o quiet quitting. — Foto: Ana Kozuki

Nos Estados Unidos, 51% dos profissionais de recursos humanos afirmam se preocupar com o quiet quitting, segundo pesquisa da Sociedade de Gerenciamento de Recursos Humanos (SHRM, na sigla em inglês) divulgada em setembro. Entre os entrevistados, 83% temem que a desistência silenciosa piore o engajamento no trabalho e 70% sentem isso em relação à produtividade dos funcionários. O problema é maior entre aqueles com 26 e 41 anos de idade: pelo menos três a cada quatro pessoas nessa faixa etária têm apresentado sinais de estar desistindo aos poucos de sua função.

Na opinião do consultor de gestão Emerson Weslei Dias, professor de Liderança e Gestão de Pessoas da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI), esse cenário escancara mudanças que talvez sejam inevitáveis. “Esse colapso que está acontecendo vai ser um grande definidor do modelo de trabalho. Ainda não chegamos ao ápice, mas vamos chegar. E aí vamos precisar de um novo contrato social, pois não é possível aceitar que as pessoas trabalhem 20 horas por dia, isso é coisa da Revolução Industrial”, opina.

Entender as causas e as consequências do quiet quitting, afinal, pode ajudar a apontar caminhos para lidar com os conflitos no meio corporativo.

Vivendo para trabalhar

Se o trabalho dignifica o homem — como afirmou Max Weber, economista alemão e um dos fundadores da sociologia moderna na virada do século 20 —, a partir da década de 1970 ele parece ter voltado a se aproximar do termo que originou a nomenclatura. Tripalium, em latim, designava um instrumento de tortura romano.

“O trabalho em sua gênese fundadora surge com uma ideia de valorização negativa e pessimista”, explica o sociólogo Elizardo Scarpati Costa, professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), em Porto Alegre. “Somente a partir da Idade Moderna, com o movimento operário, começou a ganhar uma conotação mais positiva.”

Após a Segunda Guerra Mundial, a valorização do trabalho alcançou o ápice, especialmente nos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os chamados 30 anos gloriosos, período que foi de 1945 a 1975, foram marcados por prosperidade econômica, alta produtividade, altos salários da classe média e boom no consumo.

fordismo, sistema de produção em massa idealizado pelo estadunidense Henry Ford, floresceu no período. “Mas até o fordismo deixava evidente que o melhor da vida não estava no trabalho”, pontua Costa.

A partir da década de 1970, a ascensão de um modelo neoliberal, que pregava maior flexibilidade na produção e mudanças na gestão, representou o declínio desse modo produtivo. Surgiram então novas formas de trabalho, que ganhou um papel central nas sociedades globais.

Fonte:

O vídeo de Khan tem quase 500 mil curtidas e mais de 4,5 mil comentários. Ao todo, conteúdos com a hashtag #quietquitting já acumulam mais de 340 milhões de visualizações no TikTok. A “desistência silenciosa”, como estudiosos brasileiros têm optado por chamar, consiste em um combate discreto ao excesso de entregas e cobranças, fazendo apenas aquilo para o que você foi contratado, em busca de restabelecer o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Reclamar do trabalho não é novidade no mundo do entretenimento. Em 1973, Raul Seixas cantou que deveria estar contente porque tinha um emprego, mas achava tudo um saco. Cinco anos depois, Tim Maia engrossou o coro, pedindo para não ser amolado com esse papo de emprego, ele queria era sossego. E lá em 1967, o urso Balu, do desenho Mogli, já havia dado a letra de que o segredo para uma vida tranquila era fazer o necessário, somente o necessário; o extraordinário era demais.

Na história, sobram exemplos reais de movimentos de resistência ou enfrentamento à opressão no ambiente trabalhista. A greve mais conhecida talvez seja a de 1º de maio de 1886 em Chicago, nos Estados Unidos. Na ocasião, dezenas de milhares de trabalhadores cruzaram os braços reivindicando a redução da jornada laboral de 13 para oito horas diárias. O ato inspirou a criação do Dia do Trabalho em muitos países, incluindo o Brasil. Os EUA, ironicamente, até hoje não reconhecem a data como feriado.

Mais de 130 anos depois, contudo, esse descontentamento se manifesta de forma inédita. A “desistência silenciosa” marca a primeira vez que um fenômeno sem organização coletiva ou institucional chama tanta atenção. “Diante da história, pelo menos na era moderna, é um jeito novo de se fazer reivindicação”, avalia a socióloga Andressa da Silva Corrêa, doutora em sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “O tema virou interesse tanto de especialistas da área quanto de conversas de bar e música da Beyoncé”, completa Corrêa, que pesquisa a sociologia do trabalho.

Nos Estados Unidos, 51% dos profissionais de recursos humanos afirmam se preocupar com o quiet quitting.  — Foto: Ana Kozuki

Nos Estados Unidos, 51% dos profissionais de recursos humanos afirmam se preocupar com o quiet quitting. — Foto: Ana Kozuki

Nos Estados Unidos, 51% dos profissionais de recursos humanos afirmam se preocupar com o quiet quitting, segundo pesquisa da Sociedade de Gerenciamento de Recursos Humanos (SHRM, na sigla em inglês) divulgada em setembro. Entre os entrevistados, 83% temem que a desistência silenciosa piore o engajamento no trabalho e 70% sentem isso em relação à produtividade dos funcionários. O problema é maior entre aqueles com 26 e 41 anos de idade: pelo menos três a cada quatro pessoas nessa faixa etária têm apresentado sinais de estar desistindo aos poucos de sua função.

Na opinião do consultor de gestão Emerson Weslei Dias, professor de Liderança e Gestão de Pessoas da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI), esse cenário escancara mudanças que talvez sejam inevitáveis. “Esse colapso que está acontecendo vai ser um grande definidor do modelo de trabalho. Ainda não chegamos ao ápice, mas vamos chegar. E aí vamos precisar de um novo contrato social, pois não é possível aceitar que as pessoas trabalhem 20 horas por dia, isso é coisa da Revolução Industrial”, opina.

Entender as causas e as consequências do quiet quitting, afinal, pode ajudar a apontar caminhos para lidar com os conflitos no meio corporativo.

Vivendo para trabalhar

Se o trabalho dignifica o homem — como afirmou Max Weber, economista alemão e um dos fundadores da sociologia moderna na virada do século 20 —, a partir da década de 1970 ele parece ter voltado a se aproximar do termo que originou a nomenclatura. Tripalium, em latim, designava um instrumento de tortura romano.

“O trabalho em sua gênese fundadora surge com uma ideia de valorização negativa e pessimista”, explica o sociólogo Elizardo Scarpati Costa, professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), em Porto Alegre. “Somente a partir da Idade Moderna, com o movimento operário, começou a ganhar uma conotação mais positiva.”

Após a Segunda Guerra Mundial, a valorização do trabalho alcançou o ápice, especialmente nos países membros da Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os chamados 30 anos gloriosos, período que foi de 1945 a 1975, foram marcados por prosperidade econômica, alta produtividade, altos salários da classe média e boom no consumo.

fordismo, sistema de produção em massa idealizado pelo estadunidense Henry Ford, floresceu no período. “Mas até o fordismo deixava evidente que o melhor da vida não estava no trabalho”, pontua Costa.

A partir da década de 1970, a ascensão de um modelo neoliberal, que pregava maior flexibilidade na produção e mudanças na gestão, representou o declínio desse modo produtivo. Surgiram então novas formas de trabalho, que ganhou um papel central nas sociedades globais.

Fonte:  Marília Marasciulo, com edição de Luiza Monteiro

https://revistagalileu.globo.com/sociedade/noticia/2022/12/o-que-esta-por-tras-do-movimento-da-desistencia-silenciosa.ghtml