Por que os cientistas já sabem onde procurar vida em Marte
Veículo da Nasa rastreia a área onde os cientistas dizem ter maior a probabilidade de encontrar sinais de vida.
“Definitivamente, estamos no lugar certo.”
Há uma sensação de alívio na equipe científica encarregada pelo veículo explorador Perseverance (Perseverança, em português) que a agência espacial norte-americana, a Nasa, tem em Marte.
Os pesquisadores agora estão confiantes de que enviaram o veículo para o local que oferece a melhor chance possível de encontrar vestígios de vida no planeta vermelho.
“Percy”, como o robô é carinhosamente chamado, pousou na cratera de Jezero em fevereiro de 2021 e, desde então, tirou milhares de fotos dos arredores da área.
A interpretação dessas imagens é a base do primeiro artigo científico baseado nessas descobertas, publicado nesta semana na revista Science.
A análise confirmou que o Perseverance está onde antes era o fundo de um grande lago na superfície marciana, alimentado por um rio sinuoso que alcançava uma depressão a oeste. Estamos falando de algo que aconteceu há mais de 3,5 bilhões de anos, quando o clima de Marte era mais parecido com o da Terra.
A partir das observações da Perseverance, foi possível descobrir que no local onde o rio se ligava ao lago, o fluxo diminuiu repentinamente e os sedimentos suspensos acabaram por precipitar-se, formando um delta. Trata-se de uma formação em forma de cunha que também é possível ver em muitos locais da Terra.
Foi neste ambiente que alguns micro-organismos podem ter se proliferado e talvez deixado vestígios que ainda hoje seriam conservados.
O professor Sanjeev Gupta, do Imperial College de Londres, co-autor do artigo da Science, comenta: “Algumas pessoas me disseram: ‘O que há de novo nisso? Já não sabíamos que havia um delta na cratera de Jezero?’ Bem, na verdade, não sabíamos. Identificamos a partir de imagens orbitais que Jezero continha um delta, mas até que você esteja no solo não pode ter certeza absoluta. Pode ser que estivéssemos olhando para um leque aluvial.”
Um leque aluvial ou cone de dejeção é uma formação geológica na qual, em geral, um leque de materiais é depositado em um ambiente de muito mais energia, como um mar ou um rio.
Micróbios marcianos, se existissem, teriam preferido as águas mais calmas e permanentes de um delta.
O Perseverance pousou a cerca de 2 km do delta principal, mas as imagens capturadas por seu telescópio são mais interessantes, especialmente quando ele está localizado em um monte isolado que os cientistas batizaram de Kodiak.
“É possível ver nesses restos alguma estratificação que normalmente produziria um delta em desenvolvimento.”
Existem fundos horizontais formados por finos sedimentos granulados que o rio jogou desde sua entrada até o lago na cratera. Acima deles, aparecem os sedimentos que desceram a encosta pelos lóbulos mais avançados do delta. E mais acima ainda estão os sedimentos que foram depositados pelo rio depois que as margens do delta se expandiram.
Além do Kodiak e da formação do delta principal, Jezero tem muitos grandes penhascos. Isso indica a existência de inundações em épocas posteriores à da história da cratera.
“Algo mudou na hidrologia. Não sabemos se foi um evento relacionado ao clima, não sabemos”, diz o professor Gupta. “Para mover rochas tão grandes, você precisa de algo como uma inundação. Talvez houvesse lagos glaciais na bacia local que enviaram esses riachos de água em direção a Jezero.”
“Vemos transbordamentos de lagos na Terra, em lugares como o Himalaia. Na bacia do Ganges, você tem essas grandes rochas misturadas na areia normal do rio e é onde ocorreu uma inundação repentina de um lago glacial”, disse Gupta à BBC News.
A equipe científica do Perseverance o enviará para a base da formação do delta principal para perfurar o terreno em busca das pequenas pedras de argila que esperam encontrar. Eles também se concentrarão em um anel de rochas calcárias ao redor da borda de Jezero, que possivelmente representa as margens do lago da cratera em sua época mais profunda.
O robô tem a missão de coletar e armazenar mais de duas dezenas de amostras de rochas de diferentes locais. Essas amostras serão trazidas de volta à Terra no início de 2030 para serem examinadas em laboratórios capazes de determinar se existiram formas de vida microscópicas na superfície de Marte.
Os planos para isso estão bem avançados e envolverão o envio de outro robô da Nasa e seus parceiros da Agência Espacial Europeia para recuperar as amostras do ponto da cratera onde a Perseverance as armazena.
Será um veículo de fabricação britânica. Ele irá coletar as rochas e transferi-las para um foguete que as lançará em direção a um ponto na órbita de Marte, onde um satélite estará esperando para finalmente transportá-las para a Terra.
“Estamos prestes a entrar no momento mais emocionante da exploração de Marte “, diz Sue Horne, chefe de exploração espacial da Agência Espacial do Reino Unido.
“Com o sistema de propulsão do veículo de amostragem sendo testado no próximo mês, o sonho de examinar espécimes do planeta vermelho em breve se tornará realidade.”
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Fonte: Por Jonathan Amos, BBC