Regiões ocupadas na Ucrânia iniciam referendos de anexação à Rússia
Consideradas uma ‘farsa’ por países aliados de Kiev, consultas públicas vão durar até 27 de setembro
Por O Globo e agências internacionais — Moscou
23/09/2022 02h32 Atualizado há 4 minutos
As administrações pró-Moscou nos territórios ocupados de Donetsk e Luhansk, no Leste ucraniano, e Kherson e Zaporíjia, no Sul, começaram nesta sexta-feira os referendos sobre sua anexação à Federação Russa. Anunciadas um dia antes do Kremlin convocar a “mobilização parcial” de seus reservistas e fazer ameaças nucleares, as consultas são consideradas uma “farsa” por Kiev e seus aliados ocidentais.
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A votação começou às 8h (2h no Brasil) e deve durar até dia 27 de setembro nos territórios que correspondem a 15% da Ucrânia — área maior que Portugal. A Rússia tem o controle quase completo de Luhansk e Kherson, mas domina apenas partes de Zaporíjia e Donetsk. Em todos eles, no entanto, há ataques ucranianos frequentes.
Em Zaporíjia e Kherson, os moradores precisam responder a seguinte pergunta, feita em russo e ucraniano: “você deseja a secessão da Ucrânia e a criação de um Estado independente que irá entrar na Federação Russa?”. A frase é um pouco diferente para Donestk e Luhansk, cujas independências como repúblicas separatistas foram reconhecidas pelo presidente Vladimir Putin em 21 de fevereiro, três dias antes da guerra eclodir:
“Você apoia a entrada da república na Federação Russa com os direitos de uma entidade da Federação Russa?”, dizem as cédulas, também nos dois idiomas.
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Ucrânia retoma territórios, mas ocupação russa continua fornte — Foto: Instituto de Estudo da Guerra/Arte O Globo
Convocados após uma contraofensiva de Kiev que faz a Rússia acumular reveses, os referendos têm sua lisura internacionalmente questionada, com países ocidentais chamando-os de “farsa” e “afronta”. A vitória da anexação é dada como certa: nas últimas semanas, pesquisas de opinião divulgadas por veículos russos mostravam apoio maciço à incorporação, e Moscou promete agir com rapidez para agregá-los.
— Uma maioria maciça decidiu seu destino. Vida dentro da Rússia— disse Kirill Stremousov, líder russo em Kherson, em um vídeo postado no Telegram.
Analistas e autoridades pró-Kremlin como o ex-presidente Dmitry Medvedev afirmam que, se os territórios forem formalmente incorporados, qualquer ação militar ucraniana nessas áreas pode ser considerada um ataque à própria Rússia. Isso, apontam, poderiam ser usado de pretexto para o uso de armas nucleares.
— Nós chegamos ao ponto em que não há mais retorno com esses referendos — disse Alexei Chesnakov, ex-funcionário da alta cúpula do Kremlin e conselheiro de política para a Ucrânia. — Já é impossível voltar atrás. Putin está mostrando ao Ocidente que estamos prontos para ir até o fim.
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Os referendos relembram o que aconteceu em 2014 na Península da Crimeia. Na época, em meio ao caos político ucraniano, a Rússia tomou a Península da Crimeia em poucos dias e organizou a votação, que venceu sem resistência com mais de 90% dos votos. A população da Crimeia, porém, era majoritariamente russa, já que a península, cedida à Ucrânia no período soviético, continuava sendo a sede da Frota do Mar Negro de Moscou.
A expectativa do Kremlin é que o cenário se repita, apesar de as condições serem diferentes: a invasão na Ucrânia está em seu sétimo mês, além da presença de milícias pró-Ucrânia. Kiev tem também forte apoio ocidental, que abastece o governo do presidente Volodymyr Zelensky com as armas modernas que permitiram sua contraofensiva. Além disso, as populações russas nas regiões ocupadas são menores que na Crimeia: em Donestk e Luhansk, são menos de 50%.
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De casa em casa
As autoridades russas vão recolher votos de porta em porta, nos primeiros quatro dias do referendo, e só no último dia as seções eleitorais serão abertas. Os ucranianos acusam os russos de encorajarem a participação de jovens entre 13 e 18 anos para dar a aparência de maior participação e de forçarem trabalhadores a irem às urnas sob o risco de perderem seus empregos. Há também relatos de que pessoas foram proibidas de deixarem cidades até que votem.
Leonid Pasechnik, líder da autoproclamada República de Lugansk, disse que esperava por essa votação desde 2014, quando a rebelião pró-Rússia começou nessa região e na vizinha Donetsk.
– É o nosso sonho e futuro comum – disse ele.
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O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky chamou os referendos de “farsa” e agradeceu a seus aliados ocidentais por condenar “outra mentira russa”, em seu pronunciamento noturno de quinta-feira,. O secretário-geral da ONU, o português António Guterres, classificou o voto como “uma violação da Carta da ONU e da lei internacional”.
Em seu Telegram Ivan Fedorov, prefeito exilado da cidade ocupada de Enerhodar, perto da central nuclear de Zaporíjia, orientou os moradores a ficarem em casa se possível, mas a seguirem as orientações se forem forçados a votar. Na mesma plataforma, Sergei Gaidai, governador ucraniano e Luhansk, disse que muitas pessoas estão sendo obrigadas a votar e que Moscou prepara equipes cinematográficas para gravar “filmes propagandísticos sobre o voto”.
“Em uma empresa em Bilovodsk, o chefe anunciou a todos os funcionários que a presença era obrigatória. Os que não participarem na votação serão automaticamente despedidos e os nomes dos que não comparecerem serão entregues aos serviços de segurança”, escreveu Gaidai, afirmando que os funcionários eleitorais em sua região vão de casa em casa acompanhados por homens armados e que a oportunidade é usada também para ver se há homens em idade de combate.
Fonte: O Globo e agências internacionais — Moscou