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Guerra na Ucrânia completa cem dias sem fim à vista. O que pode encerrar o conflito?

Expectativa de vitórias militares por Moscou e por Kiev trava negociações

Por André Duchiade, O Globo — Rio

03/06/2022 04h30  Atualizado há um minuto

A guerra na Ucrânia chega a seu centésimo dia hoje sem a perspectiva de um fim. Conflitos costumam acabar com algum acordo. Os governos de Moscou e Kiev, no entanto, acreditam por ora serem capazes de obter conquistas no campo de batalha que obriguem o adversário a fazer concessões. As aspirações conflitantes dificultam as negociações, atualmente congeladas.

O equilíbrio de forças militares, o domínio territorial, o apoio de outros países à Ucrânia e os custos econômicos e políticos para as partes beligerantes e para outros Estados determinam como a guerra vai terminar. Os cenários mais prováveis são a anexação de partes ocupadas pela Rússia — seja em nome de Moscou ou por meio de aliados separatistas — ou a retomada total das áreas perdidas na invasão.

Há ainda possibilidades menos plausíveis, como a recuperação pela Ucrânia dos territórios tomados em 2014, uma mudança de regime no Kremlin, ou então a expansão do conflito em uma guerra mais ampla entre a Rússia e os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). O secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg, fez anteontem uma análise fria do futuro:

— Guerras são imprevisíveis. Conseguimos prever a invasão, mas é muito difícil prever como essa guerra vai evoluir. O que sabemos é que quase todas as guerras terminam em algum momento na mesa de negociações — afirmou.

O controle sobre os territórios ocupados da Ucrânia é um dos maiores entraves ao diálogo. Há três possibilidades: a Rússia pode manter o domínio das áreas invadidas na guerra; retroceder até as linhas de 24 de fevereiro; ou então a Ucrânia pode recuperar territórios perdidos em 2014.

Ocupação russa

A Rússia conta com um lento desgaste das forças ucranianas para segurar as áreas ocupadas. Nas últimas semanas, após fazer ajustes táticos e concentrar forças onde podia avançar, a ofensiva no Leste ganhou fôlego, com progressos como na cidade de Severodonetsk. Isto aproxima os invasores do controle de toda a região do Donbass, que estava parcialmente nas mãos de separatistas pró-Moscou.

As conquistas atuais no Leste já garantem uma ponte terrestre para a Península da Crimeia, anexada em 2014. Isto por si só já permitiria ao Kremlin declarar domesticamente vitória na guerra, mensagem que pode ser reforçada por conquistas como danos causados à infraestrutura militar ucraniana e a rendição, em Mariupol, do Batalhão Azov, grupo de origem neonazista.

Se conquistar o Donbass, não está clara onde a ganância russa vai parar. É possível que o Kremlin vá atrás do resto da costa do Mar Negro, deixando a Ucrânia sem litoral. Enquanto faz isso, a Rússia pode bombardear a infraestrutura ucraniana em outras regiões. Em caso de muitas conquistas, a derrocada do Estado ucraniano pode ser uma meta.

Repetidas vezes Kiev mostrou-se indisposta a ceder territórios. Na terça-feira, em mensagem ao Conselho Europeu (órgão que reúne líderes da União Europeia), o presidente do país, Volodymyr Zelensky, reiterou essa mensagem, e disse que “não pode haver concessões à custa de nossa integridade territorial”.

Zelensky, contudo, pode ser obrigado a ceder. A guerra provoca distúrbios na economia mundial, e potências ocidentais enfrentam a maior inflação — já alta após a pandemia — em décadas e impactos em suas cadeias de suprimento. Uma crise alimentar global em grande escala também se avizinha, em função dos bloqueios dos portos ucranianos.

Preocupações como estas levam cada vez mais vozes no Ocidente a sugerirem que algum tipo de compromisso entre as partes é necessário, e estas vozes podem se acentuar. O presidente da França, Emmanuel Macron, advertiu contra “humilhar” qualquer um dos lados. Já o premier da Itália, Mario Draghi, disse que “um cessar-fogo deve ser atingido o mais rápido possível”.

Já Henry Kissinger, o ex-secretário de Estado americano de 99 anos, afirmou no Fórum Econômico Mundial de Davos que as negociações devem começar dentro de dois meses para evitar “transtornos e tensões que não serão facilmente superados”. Kissinger disse que Kiev deveria concordar com “um retorno ao status quo ante”, uma restauração das fronteiras da Ucrânia a antes da guerra. Isso significaria desistir da Península da Crimeia e de partes do Donbass.

Esta parece ser a meta oficial ucraniana no momento, em um retorno às posições de até o final de março, quando as negociações estavam mais aquecidas. O aumento da ajuda do Ocidente, o bom desempenho do seu Exército e fracassos das forças russas levaram Kiev a aumentar sua ambição. No início de maio, Zelensky afirmou não estar disposto a ceder um centímetro do seu território, “incluindo a Crimeia”. Agora, já disse novamente que não pretende recuperar militarmente as zonas que perdeu em 2014:

— Se seguirmos esse caminho, vamos perder centenas de milhares de vidas do nosso lado — disse no domingo.

Vitória ucraniana

Para voltar às fronteiras de fevereiro, a Ucrânia precisa de vitórias. Isto poderia ser possível com táticas competentes que dessem sequência às empregadas na defesa de Kiev e com uma contraofensiva exitosa no Leste. Remessas ocidentais de armas avançadas e o compartilhamento de inteligência teriam importante papel nesse cenário.

Em um artigo publicado nesta semana, Mathew Burrows e Robert Manning, do instituto americano Atlantic Council, dizem que, para Vladimir Putin ceder, ele precisaria “enfrentar um descontentamento doméstico crescente, com uma economia em colapso e um Exército exausto e irritado com repetidos fracassos”.

Ainda há outros cenários menos prováveis, como a recuperação da Crimeia e de todo o Donbass pela Ucrânia. Isso é pouco plausível, porque não só dependeria de um extraordinário desempenho das forças ucranianas, como também de uma humilhação russa. A maioria da população do país considera a península parte de seu território, e é justamente para situações assim que existe o arsenal nuclear russo. Se quisesse retomar essas áreas, Kiev enfrentaria pressão externa.

Richard Haas, presidente do centro de estudos Conselho de Relações Exteriores, concebe mais um cenário: a continuação indefinida do conflito, sem uma vantagem clara. Esse cenário seria como um prolongamento da situação entre 2014 e fevereiro, mas em maior escala. Zelensky não conseguiria expulsar as forças russas, mas a Rússia tampouco obteria conquistas suficientes a ponto de declarar vitória. Para o especialista, isso já pode estar acontecendo:

— Temos uma espécie de impasse, em que a Ucrânia, embora continue a receber enormes quantidades de inteligência, treinamento, armas, munições e dólares dos EUA e do Ocidente, não pode expulsar a Rússia do seu território. E eu não vejo a Rússia sendo capaz de alcançar sua meta de extinguir a independência ucraniana — ele afirmou ao “New York Times”.— Em três, seis ou nove meses, a situação provavelmente será dolorosamente parecida com a atual.

Fonte: André Duchiade, O Globo — Rio

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