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‘Trataram minha mãe como cobaia’: o relato de filha de paciente da Prevent Senior

A dor de Kátia Castilho a manteve acordada durante muitas noites nos últimos meses.

Ela perdeu os pais com um mês de diferença, no auge da segunda onda de Covid-19 no Brasil, quando as mortes diárias chegaram a 4 mil.

Kátia não imaginava que a história sobre a morte de sua mãe faria parte, meses depois, de um dos maiores escândalos sanitários sobre a pandemia no país. Isso porque a mãe dela foi internada em um hospital da Prevent Senior, empresa que hoje é alvo de diversas denúncias.

A operadora de saúde é acusada, segundo um dossiê feito por médicos que trabalharam na empresa, de ocultar mortes pela Covid-19, pressionar profissionais de saúde para a prescrição de remédios sem eficácia comprovada e usar seus hospitais como “laboratórios” para estudos com medicamentos comprovadamente ineficazes contra a doença. A Prevent Senior nega as acusações.

Primeiros sintomas

Norberto e Irene completariam 54 anos de união em maio. Mas o casal de aposentados, que tinha três filhas, morreu pouco antes dessa data.

Em março deste ano, Norberto, de 72 anos, apresentou os primeiros sintomas de Covid-19.

“Ele tinha enfisema pulmonar (condição que causa dificuldades respiratórias), por isso sabíamos que ele não podia nem sonhar em contrair essa doença”, diz Kátia à BBC.

Norberto, que não tinha plano de saúde, foi levado a um hospital público de São Paulo (SP). No passado, ele chegou a ser cliente da Prevent Senior, mas cancelou após se mudar por um período para João Pessoa, na Paraíba.

Após a internação dele, Kátia nunca mais viu o pai pessoalmente: Norberto morreu cinco dias depois.

“Eles fizeram um vídeo pra mim. Eu tenho o último vídeo dele, que é do meu pai se despedindo de mim e falando, ‘filha, quando eu sair daqui eu vou comer a sua comidinha'”, relembra.

Enquanto o pai estava internado, Kátia, que mora em João Pessoa, chegou a São Paulo para cuidar da mãe, Irene, que apresentava os primeiros sintomas de Covid-19.

Os familiares acionaram a Prevent Senior, operadora de saúde da qual a idosa de 71 anos era cliente, e receberam um “kit covid”. Nele havia medicamentos como hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina — que não têm qualquer respaldo científico contra a Covid-19 e há estudos que demonstram que eles podem piorar a situação de um paciente.

Há inúmeros relatos de pacientes que apresentaram sintomas de Covid-19 e receberam esse “kit covid” da operadora de saúde.

Mesmo com os remédios indicados, os sintomas de Irene pioraram cada vez mais. “Todo dia eu media a temperatura, pressão e a saturação (de oxigênio no sangue) dela.

No domingo (21 de março), quando meu pai ainda estava internado, eu percebi que a saturação dela estava oscilando muito. Aí decidimos levar a minha mãe pro hospital”, conta Kátia.

A filha diz que os médicos do hospital Sancta Maggiore, da Prevent Senior, mandaram Irene de volta para casa sem examiná-la. Mas as condições da idosa pioraram durante aquela noite e as filhas dela decidiram retornar ao hospital com a mãe.

Desta vez, Irene foi internada. Mas a situação dela estava tão complicada que a idosa tinha dificuldades até mesmo para respirar com o auxílio de oxigênio medicinal.

No mesmo dia em que Irene foi internada, Alberto morreu em um hospital público da cidade. “A minha irmã teve que buscar o corpo dele no necrotério”, diz Kátia. “Você sabe que [o morto] é enterrado em um saco preto, nu. A pessoa não põe roupa, não põe nada”, acrescenta.

Um funcionário do necrotério disse para Priscila, a irmã de Kátia, que não sabia onde o pai dela estava e pediu ajuda para encontrá-lo.

Leia mais: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58921180
Fonte: Pablo Uchoa e Vinícius Lemos, BBC World Service