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A surpreendente queda na desigualdade no trabalho que mascara um problema econômico do Brasil

Aumento da informalidade após pandemia explica fenômeno, que deve ser transitório, segundo economista. Para mudança estrutural, é preciso educação e políticas afirmativas, dizem especialistas.

TOPO

Por BBC

04/02/2022 07h23  Atualizado há 5 minutos

Ocimar dos Santos Mattos Junior começou a trabalhar no ano passado como operador de serviços gerais, fazendo limpeza em uma empresa.

Morador do município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, o rapaz de 20 anos é parte do contingente de quase 6 milhões de pessoas pretas ou pardas que conseguiram uma ocupação desde o segundo trimestre de 2020, quando a pandemia chegou com força ao país, interrompendo parte da atividade econômica e levando o desemprego a nível recorde.

Mas, para Ocimar, isso não é motivo de comemoração, e sim uma consequência da crise.

Com a pandemia, seu pai perdeu o emprego de pintor automotivo. Diante disso e dos problemas de saúde da mãe, ele se viu forçado a abandonar o cursinho que fazia, sonhando em cursar Nutrição ou Fisioterapia.

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“Tive que assumir o papel de homem da casa e correr atrás para ajudar. Isso acabou atrapalhando meus estudos”, conta o jovem, que agora ajuda a sustentar a família, enquanto o pai faz bicos pintando carros quando aparece serviço.

O caso da família de Ocimar, que antes da pandemia tinha uma pessoa ocupada (o pai) e agora passou a ter duas (o filho e o pai, agora trabalhando informalmente), ajuda a explicar uma estatística inusitada.

No terceiro trimestre de 2021, a diferença no nível de emprego entre brancos e negros no Brasil atingiu o menor patamar desde o terceiro trimestre de 2015.

O dado surpreende porque, há menos de dois anos, em consequência da dinâmica desigual do desemprego na pandemia, essa diferença tinha atingido nível recorde.

Menor diferença entre brancos e negros desde 2015

No segundo trimestre de 2020, momento mais forte de paralisação da atividade econômica, o percentual de pessoas brancas ocupadas em relação à população branca total em idade de trabalhar era de 52,8%.

Entre os negros (soma de pretos e pardos), essa taxa chegou então a 46,9%.

Com o forte impacto da pandemia sobre o emprego informal e a população de baixa renda, a diferença no nível de ocupação entre brancos e negros chegou naquele momento a 5,9 pontos percentuais, maior nível da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que teve início em 2012.

No terceiro trimestre de 2021, pouco mais de um ano depois, o nível de emprego dos brancos subiu para 55,8% e o dos negros, para 52,7%.

O dado do terceiro trimestre é o mais recente disponível da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Trimestral do IBGE, que traz estatísticas de emprego em mais detalhes do que o levantamento mensal, com dados por idade, gênero, raça e cor.

Assim, a diferença entre as taxas caiu a 3,1 pontos percentuais no terceiro trimestre de 2021, menor patamar desde os 2,9 pontos registrados em meados de 2015, quando o mercado de trabalho vinha de um dos momentos mais aquecidos de sua história, mas já começava a sentir os efeitos da recessão de 2015-2016.

Essa diferença chegou a 2,4 pontos no terceiro trimestre de 2014, logo antes de a taxa de desemprego atingir o patamar historicamente baixo de 6,6% ao fim daquele ano.

Lá em 2014, a redução da diferença no nível de emprego entre brancos e negros tinha uma explicação clara: com o mercado de trabalho superaquecido, era fácil tanto para brancos, como para negros — que tradicionalmente têm mais dificuldade para se empregar —, conseguir trabalho.

Mas e em 2021? O que explica a queda da diferença no nível de emprego entre brancos e negros, em um momento em que a taxa de desemprego estava em 12,6%, vindo de um recorde de 14,9% em 2020?

Aumento da informalidade na reabertura da economia

“Também foi uma surpresa para mim”, diz Daniel Duque, pesquisador do mercado de trabalho no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

Para ele, a explicação mais plausível é o aumento da informalidade na reabertura da economia, após a fase mais dura de distanciamento social.

“Analisando os dados por setores da economia, idade, gênero, nada disso explica a redução da diferença. O que explica de fato é que o emprego informal se recuperou muito mais rápido do que o formal”, observa o economista.

Entre o terceiro trimestre de 2020 e igual período de 2021, foram criados 9,5 milhões de empregos no Brasil, segundo o IBGE. Mas, desse total de pessoas ocupadas a mais, 7 milhões estavam na informalidade.

“Como a população não branca geralmente acessa mais os empregos informais, isso acabou reduzindo a diferença no nível de emprego com relação à população branca, que em geral tem mais empregos formais, que não se recuperaram tão rapidamente.”

Ou seja: a redução da diferença racial é resultado de uma piora na qualidade do emprego, com aumento da informalidade e queda da renda.