Bolsonaro na Rússia: como visita a Putin pode afetar relação com EUA
Americanos expressam mal-estar e afirmam que visita a Putin passará mensagem de apoio a investidas bélicas russas.
Por BBC
07/02/2022 07h39 Atualizado há uma hora
A decisão do presidente brasileiro Jair Bolsonaro de visitar Vladimir Putin, na Rússia, em meados de fevereiro, abriu um novo flanco de tensões na relação com o governo dos Estados Unidos. À BBC News Brasil, profissionais da diplomacia americana chamaram a decisão do mandatário brasileiro de “insana” e “sem sentido”.
Embora Brasil e Rússia componham o bloco de emergentes Brics (junto com China, Índia e África do Sul) e mantenham relações comerciais e diplomáticas há tempos, a viagem de Bolsonaro ao país do Leste Europeu caiu mal para os americanos especialmente pelo momento em que ocorrerá.
EUA e Rússia protagonizam duro embate político internacional. De um lado, os russos estacionaram mais de cem mil soldados na fronteira com a Ucrânia e ameaçam invadir o país a qualquer momento se os americanos e seus aliados ocidentais não interromperem qualquer processo para a entrada da Ucrânia na Otan, a aliança militar do Atlântico Norte.https://c696a510576d70568c3a66bd5aec8549.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
De outro lado, os americanos abastecem o governo ucraniano com armas e já deslocaram mais de 3 mil soldados para bases da Otan na Romênia e na Polônia. O risco é que a situação, que até agora gerou ásperas discussões na ONU e trocas de acusações de parte a parte, evolua para uma guerra na Europa.
É nesse contexto que Bolsonaro desembarcará em Moscou no dia 14 de fevereiro.
“É como assistir uma criança correndo na pista para tentar atravessar uma rodovia expressa e movimentada”, afirmou à BBC News Brasil um ex-alto diplomata americano, que já trabalhou no Brasil, a respeito da visita do presidente brasileiro à Rússia.
Na semana passada, oficiais do Departamento de Estado agiram para expressar claramente o descontentamento dos EUA com os planos brasileiros. Há dez dias, consultado pela BBC News Brasil, o Departamento de Estado afirmou, por nota, que “o Brasil tem a responsabilidade de defender os princípios democráticos e proteger a ordem baseada em regras, e reforçar esta mensagem para a Rússia em todas as oportunidades”.
A portas fechadas, diplomatas americanos disseram aos brasileiros que a viagem de Bolsonaro à Rússia passaria ao mundo uma mensagem de que o Brasil endossa as atitudes de Putin em relação à Ucrânia e de que o governo brasileiro é indiferente a ameaças de invasão de territórios alheios por potências.
O Brasil é atualmente um aliado militar extra-Otan dos Estados Unidos, status garantido ao país ainda na gestão do republicano Donald Trump. No ano passado, já no governo do democrata Joe Biden, os americanos afirmaram endossar que o Brasil se tornasse um parceiro global da Aliança Militar do Atlântico, o que aumentaria ainda mais acesso às Forças Armadas brasileiras a armamentos e treinamentos.
“Não é possível que o Brasil ignore o significado simbólico dessa viagem. Esse não é o momento de discutir relações bilaterais com a Rússia, enquanto eles ameaçam invadir seu vizinho. Claro que os Estados Unidos não estão felizes com o plano, assim como os europeus também não estão, porque sugere uma falta de respeito em relação às regras do jogo internacional, que historicamente o Brasil costumava defender”, afirmou à BBC News Brasil o ex-embaixador americano no Brasil Melvyn Levitsky, atualmente professor de relações internacionais da Universidade de Michigan.
‘Por que seu presidente não fala com o meu?’
O Itamaraty tem respondido aos americanos que a viagem estava pendente há mais de um ano – embora o convite de Putin tenha sido formalizado apenas em dezembro -, e que tratará estritamente de temas bilaterais.
A Rússia não está nem entre os dez maiores parceiros comerciais do Brasil, mas vende ao país fertilizantes necessários para a agricultura brasileira. Não há, no entanto, expectativa de que a visita possa resultar em algum acordo comercial formal entre os dois países.
A viagem ao leste europeu também contará com uma parada de Bolsonaro na Hungria, excluída por Biden do encontro pela democracia organizado pelos EUA em dezembro, já que Washington vê o governo conservador e direitista de Viktor Orban como distanciado dos princípios democráticos.
Orban é hoje um dos principais aliados internacionais de Bolsonaro. A entusiastas que o questionaram na frente do Palácio da Alvorada, o presidente brasileiro também elogiou as credenciais políticas de Putin: “Ele [Putin] é conservador sim. Eu vou estar mês que vem lá, atrás de melhores entendimentos, relações comerciais. O mundo todo é simpático com a gente”.